Teresa Cupertino de Miranda, a primeira mulher portuguesa a competir no rali Dakar, morreu esta segunda-feira, aos 78 anos, vítima de doença prolongada. Assim rezava qualquer das breves notas que saíram nos últimos dias a confirmar que a herdeira de Artur Cupertino de Miranda, fundador do Banco Português do Atlântico, desapareceu na passada segunda-feira. Mas se até ao 25 de Abril esta foi uma das famílias mais ricas do país, e que mais beneficiou da anquilose do antigo regime, a mulher que agora morreu teve, pelo menos, a ânsia de sacudir o pó da história familiar, lançar-se num universo que envolve riscos incalculáveis, algo que é inegável mesmo se, ao longo da sua história, uma corrida como o Paris-Dakar acumulou sérias críticas por utilizar o canto mais pobre de África como um recreio para os ricos. Sem escapar ilesa a essas acusações, Teresa Cupertino de Miranda não deixou de ser tida como pioneira por ter enveredado numa área competitiva à época reservada aos homens, tendo sido homenageada pela Autosport, que destacou a sua «visão, coragem e paixão», características que terão sido fulcrais para que outras pilotos surgissem no panorama do todo-o-terreno, como Joana Lemos, Céu Pires de Lima, Elisabete Jacinto e Maria Luís Gameiro. Esta revista lembra como, em 1992, ela esteve ao volante de um Nissan Patrol ao lado de Berta Assunção e Manuel Caetano, terminando a prova em 110.º lugar. E além desta corrida, fez ainda várias expedições um pouco por todo o mundo, participando em provas desportivas na Europa, na Ásia, em África e na América do Sul ao lado de gigantes do automobilismo português como José Megre. Fez expedições como uma que foi de Guiné-Bissau a Lisboa, outra de Paris a Pequim e outra ainda, em que percorreu cerca de 22 mil quilómetros, de Lisboa à Índia. A mais velha das suas três filhas, Madalena Antas, também lhe seguiu as pisadas, tornando-se piloto.
Não se pode fazer-lhe jus sem tentar pelo menos transmitir o que significa tomar parte naquela aventura, e isto numa altura em que o Paris-Dakar se oferecia plenamente a essa compulsão de se lançar num delírio transcontinental de gasolina, poeira e morte anunciada.
A arma é a velocidade, e a presa nesta caçada é o próprio efeito de cortar com a tepidez quotidiana, não sendo aquilo bem uma corrida, mas uma espécie de prova de vida, com as condições ideais para uma má alucinação motorizada, em que o deserto assume muitíssimas formas, oferecendo paisagens lunares onde nem os chacais mijam com descontração – tudo em nome de uma glória que cheira a querosene e ego mal curado. Como lembrava um aventureiro anónimo, ali, «acordas de madrugada com os olhos colados de areia e as veias latejando adrenalina pura, o sol africano já te perfura como um laser industrial, e o único som que ouves é o rugido obsceno das máquinas e o riso histérico de algum lunático francês a cuspir sangue por ter batido numa duna». E prossegue: «O Dakar não perdoa: é uma entidade viva, um Leviatã de rodas e desespero, uma prova patrocinada por marcas que vendem liberdade embalada e morte decorada com logos. É preciso estar absolutamente fora de si para se inscrever, e completamente possuído para chegar ao fim. Um safari de loucos, com o cheiro de Napalm nos interstícios do cérebro, onde cada etapa é uma dança de corpos derretidos sobre um tablado de cascalho assassino. É tudo velocidade e decadência, tudo febre e fricção, e no fim talvez reste uma fotografia suja, um troféu falso e a certeza de que viste o Diabo numa curva a 180 à sombra de um camelo morto.»
Incapaz de igualar este nível de testemunho, Cupertino de Miranda não deixou de registar as suas memórias deste rali e de outras expedições, contando o seu percurso no automobilismo em Viagem Com o Meu Olhar, livro fotográfico e de memórias que publicou em 2003, tendo ali explicado que o entusiasmo por este universo a cativou desde tenra idade. Na altura, Carlos Sousa, um dos mais distintos pilotos da história de Portugal, fez questão de assinalar a forma como Teresa encarava a adversidade. «Há uns anos, estive numa prova em Espanha e ela teve problemas de direção assistida mas, heroicamente, consegue fazer mais de 300 quilómetros e chegar ao destino final. Este é um exemplo da coragem que a Teresa possui», disse ao Correio da Manhã.